Recortes...
Com regularidade me surpreendo tentando entender do que é feita a ciência e de qual matéria-prima se constituí a pesquisa, seu alimento. Mas “sobre esses ocultos assuntos nada se pode dizer”, como escreveu certa vez Mário Quintana, falando das coisas do mundo.
De fato, “quase” nunca tenho as repostas. Este “quase” fica por conta dos raros momentos em que, mergulhada em certas vivências, me pego crente na certeza irrepreensível (ao menos, por mim mesma), de que tanto a ciência quanto a pesquisa são, sobretudo, olhares, ora atentos e graves, ora ligeiros e despretensiosos. Recortes e enquadramentos através dos quais percebemos e entendemos a coisa do real. Por isso, quando percorro determinados trajetos, em especial, àqueles que atravessam o meu fazer pesquisador, costumo querer uma máquina fotográfica por perto. O objetivo? Revisitar o meu olhar, olhar por mim de fora, mudar o modo contínuo com que me acostumei a ver.
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A fotografia é bem mais do que só um instrumento de pesquisa. Ela é o próprio discurso do investigador!
Através dos saltos entre a barreira do tempo e do espaço, o fotógrafo seleciona quais os fragmentos do real quer codificar e lhe dá um tratamento estético. Em outras palavras, ele faz escolhas, selecionando aquilo que quer dizer (pelo que inclui e também pelo que deixa de fora da imagem construída). São estas opções que o revelam como um sujeito histórico e, por conseguinte, político, pois tais registros evidenciam o nível de sua consciência sobre este real, potencializando sua ação na perspectiva de transformar ou preservar a cena que vê.
Todo essa reflexão, assim como aquela certeza de que falei no início deste texto, passaram por mim, quando, no início desta semana, fomos ao bairro Donária. Nosso propósito era conhecer para contar, em forma de documentário, a história do lugar. Tratava-se (e ainda se trata) de revelar novos e velhos significados de um mesmo momento, tentado apanhá-los dependurados na corrente do cotidiano. Esta visita rendeu alguns registros, representações impregnadas de um significado intuído, mas inteiramente desconhecido por nós. Talvez por isso não sejam resultados satisfatórios, mas manifestações precoces de um processo investigativo, ou ainda, da necessidade de aprender a ver o que não está dito nas falas e nas cenas com as quais nos deparamos durante toda aquela manhã.
Por ora, só posso dizer que, na minha leitura, as fotografias deste curto percurso evidenciaram a proposição de tecer um elo entre o que há e o que achamos que há...
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