não quero falar de futebol

Segunda, 21 de junho de 2010.
Postado por Bibiana de Paula Friderichs às 10:56

Havia seriamente me proposto a não falar sobre futebol. Até porque, ao invés de fingir que entendo alguma coisa do assunto, admito: não entendo nadica de nada, não me interesso por campeonatos, e muito menos pelo tema. Aliás, confesso: me incomoda um pouco o jogo de estátua que imobiliza cidades inteiras enquanto a seleção brasileira está em campo. É como se todos nós fossemos obrigados (por extensão patriótica) a querer e a fazer isso durante aqueles 90 minutos, em qualquer dia ou hora da semana.
Sigo firme neste propósito. Aqui não vou falar de futebol, vou falar de jornalismo. A modalidade esportiva em questão é apenas um pretexto para o texto que correu pelo meu pensamento enquanto, mais uma vez, assistia a cobertura jornalística da Copa do Mundo.
Á propósito, nem tenho certeza de que podemos chamar aquilo que muitas das equipes de jornalismo estão fazendo na África, de jornalismo. E, sobretudo, não encontro na sopa de letrinhas sob a mesa palavras qualificadas para nominar o poder de que se investem certas emissoras (ou que lhe outorgamos pela audiência) quando tentam determinar o que e como os times, os técnicos, os jogadores e até os torcedores devem se comportar durante o evento.
Lembro muito bem de toda a campanha, que mesmo antes da Copa começar, já invadia a programação televisiva no país (veículo de maior penetração em território brasileiro segundo pesquisa Cetic.br 2009). Lembro com maior nitidez ainda, do dia em que Dunga anunciou os nomes escalados para defender o hexa da nossa seleção.
Pensando bem, lembro mais da repercussão de seu anúncio do que do anúncio em si, ou mesmo do nome dos jogadores escolhidos.
O fato é que segundos depois da lista ser publicizada, foi como se uma onda de pôxas, deixa disso ou uma série de "muxoxos" tomassem conta da mídia brasileira. A imprensa pareceu insatisfeita com a ausência dos grandes nomes que criou. Dunga não era um aliado (será que foi um dia? nunca me pareceram muito simpáticos a ele).
A partir daí houve um esforço de desqualificação: do time, do técnico (claro) e de muitos jogadores. Cada reportagem publicada, matéria veiculada ou comentário proferido, vinha acompanhado de uma enquete feita com a “população”, citando nomes convocados equivocadamente, sugerindo substituições e invalidando a competência de alguns jogadores.
As avaliações poderiam até vir da boca dos colunistas, mas melhor ainda se fossem reforçadas pela opinião do “povo”, afinal “era o povo brasileiro que estava descontente com aquela escalação”, “tínhamos uma seleção que não fazia jus ao espírito do futebol brasileiro”.
... em tempo: atender a este espírito é uma obrigatoriedade, e mesmo que o mundo e o futebol tenham mudado em 50 anos, uma vez que a mídia esportiva nacional o caracterizou "assim ou assado", só nos resta procurá-lo (nem que seja com uma lupa).
Futebol arte é aquilo que os jornalistas, as emissoras e, sobretudo, os comentaristas, decidiram definir como tal. Grande novidade: mais um signo cercado de um sentido naturalizado, repetido a exaustão...
O link-chamada na página do Globo Esporte de hoje é revelador: "leia e entenda um pouco mais sobre a parte tática do futebol arte"... que tal? é mole ou quer mais?
Mas o cômico de tudo isso foram os acontecimentos subseqüentes. Ao chegar na África, a seleção brasileira evitou o contato exagerado com a imprensa, proibiu o acompanhamento dos treinos, e alguns jogadores nem sequer deram entrevistas no hall do hotel. Os caras queriam paz, concentração, afinal, futebol pode ser o lazer de muitos, mas é também o trabalho de poucos – e um trabalho de responsabilidade, diga-se de passagem (já que 70%, ou mais, da programação dos canais abertos no Brasil, falam disso em detrimento de quaisquer outros tema de interesse público de direito, potencializando a idéia de pertença, por meio do entretenimento, que a frágil identidade sobremoderna procura).
Diante do quadro, ouvi certa noite uma jornalista contar (citação de memória): “parece que o Fulano (não lembro que jogar era) está de mau humor, ou alguma coisa séria aconteceu logo de manhã, porque ele não quis nos dar entrevista”...
Bom, penso que neste caso o jogador foi iluminado pelo bom senso, mas eu não me espantaria se o cara risse na cara da repórter.
Então a imprensa critica o Dunga publicamente até “a quinta geração”, diz que esse ou aquele jogador não está apto à nos representar, que ele é fraco, que existem jogadores melhores, que não foi uma boa escolha... e depois de tudo isso ainda espera que o Fulano, levante da cama de manhã cedo, bem disposto e sorridente, para dar uma declaração... isso é o que eu chamo de piada!
Situação semelhante assisti esta noite, num ao vivo do Tadeu Schmidt, comentando a entrevista coletiva que Dunga deu após o jogo. Enquanto o técnico respondia uma pergunta sobre o Luís Fabiano, um jornalista da Globo, presente, mas ao telefone, achou-se no direito de discordar do técnico, balançando a cabeça em negativa.
Dunga então “em respeito ao mestre jornalista”, perguntou se havia algum problema, e o repórter disse: - não (que curioso). No intervalo entre as perguntas da coletiva Dunga supostamente xingou o cara (supostamente porque o VT foi editado e não pudemos ouvir ou ver os xingamentos); e a emissora, sentindo-se ofendida, produzir um quadro, ao vivo no Fantástico, para comentar o episódio (ou seria repreender o técnico?). No final da intervenção, Tadeu Schmidt, diz claramente: “- Dunga não apresenta nas entrevistas um comportamento compatível com a imagem de alguém tão vitorioso. Com freqüência usa frases grosseiras ou irônicas", resposta, ao que parece, à duas "irregularidades" cometidas pelo técnico :
1) enfrentou e questionou a postura do jornalista;
2) xingou a imprensa (ou o repórter soberbo?) “com palavras impublicáveis”, segundo Schmidt.
Para encerrar o ao vivo, Tadeu reforça e papel e a legitimidade “inquestionável” da Rede Globo: "O que precisa ficar claro em mais esse episódio é que torcemos muito para que a seleção chegue a conquista de mais um título mundial e que a preocupação do jornalismo da Rede Globo é a de levar a melhor informação a você telespectador, independentemente, de que esteja no comando”.
Outra abordagem que me intriga nesta cobertura é o conteúdo e a escolha de determinados temas em pauta, assim como o espaço privilegiado que ocupam na grade de programação das emissoras em canal aberto. Com uma rápida leitura do material encontrado hoje, nos jornais, TVs e web, vemos cenas edificantes de animais nativos, explicações acerca das insuportáveis vuvuzelas, reportagens sobre a “cultura” africana, histórias de torcedores aqui no Brasil e lá no país da copa, culinária típica, hotéis, turismo, enfim, um grande espetáculo de sons e cores, enquanto todos os problemas anteriores a copa continuam existindo, sem contar aqueles outros que surgiram posteriomente a ela, decisões importantes ainda estão sendo tomadas diariamente, sem que fiquemos sabendo, quando, onde e por quem...
Com a narração destes episódios não pretendo defender a competência do Dunga, ou os nomes que ele escalou para compor nossa delegação. Nem mesmo procuro afirmar que ele é o técnico ideal para a seleção brasileira, porque realmente não entendo nada do “cortado” (apesar de gostar e torcer pelo Dunga). O que quero aqui é colocar o papel da imprensa, neste caso, em discussão.
Uma vez definido o técnico (a mais de 04 anos) e os convocados, de que forma os ataques e as duras críticas ao time estruturado cumprem o papel do jornalismo? Isso beneficia a quem? Onde estão as fronteiras entre informação/interpretação e informação/opinião? Qual a diferença entre o trabalho do repórter e do colunista? Entre informação e entretenimento? Que códigos demarcam os espaços e as narrativas dedicadas a um e a outro tipo de abordagem? É papel do jornalista, cujo caráter e lugar está relacionado a produção noticiosa, emitir juízos de valor? A imprensa sentencia e/ou critica as personagens sociais (em particular as notórias) em nome de quem? A quem devemos essa insistência em culpar a personificação da derrota? E o direito de resposta? De forma esse discurso estereotipado (verbal e não-verbal) traduz as disputas de poder entre as instituições midiáticas e o fazer não nominado?
Engraçado, sempre acreditei no esforço de objetividade jornalística, da informação legítima, plural, onde diferentes vozes pudessem ser ouvidas, com um único propósito: qualificar o cotidiano em prol da justiça social. No entanto, como a deformidade e redundância do sentido das coberturas na Copa, contribuem com isso? O meu túnel neste caso não tem saída, nem luz... mas tenho certeza que não é esse jornalismo que quero ensinar ao meus alunos!
P.s.: deixem o cara trabalhar em paz!

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rádio... rádio... rádio...

Domingo, dia 20 de junho de 2010.
Postado por Bibiana de Paula Friderichs às 22:08


Existe gente superhiper de olho no rádio! Parabéns!

Divulgação:



Já está disponível o e-book E o rádio?, que reúne textos dos integrantes do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. O livro, lançado pela Editora da PUCRS, pode ser acessado no link http://www.pucrs. br/edipucrs/ eoradio.pdf. Mais dados a respeito no relise em anexo, que está em versões Word 97/2003 e em .pdf.

Luciano Klöckner
(51) 9285-0226
Luiz Artur Ferraretto
(51) 9999-1865
Organizadores da obra

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a pintura em quadrinhos

Quarta-feira, dia 09 de junho de 2010.
Postado por Bibiana de Paula Friderichs às 11:40

Van Gogh é meu favorito. Suas cores e suas pinceladas são insensas... cheias de rastros. Sua história também.

Viva o Dóro e o Scliar pela referência!

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ler de cabeça erguida: um textinho sobre os direitos do sentido

Terça-feira, dia 08 de junho de 2010.
Postado por Bibiana de Paula Friderichs às 21:21

“Nunca lhe aconteceu, ao ler um livro, interromper com freqüência a leitura, não por desinteresse, mas, ao contrário, por afluxo de idéias, excitações, associações? Numa palavra, nunca lhe aconteceu ler levantando a cabeça?” Com este trecho de escritura Roland Barthes (1988, pg.40) aciona, no ensaio Escrever a leitura, uma trama de perspectivas inquietantes acerca dos descaminhos do texto. Mais do que isso, debruçado sobre as relações do sujeito leitor com a narrativa pela qual é atravessado, o autor problematiza a possibilidade de estabelecermos, dentre as inúmeras discussões pertinentes ao tema, uma Teoria da Leitura.

Semiólogo, ele acredita que ler é também escrever, uma vez que diante dos significantes oferecidos à fruição durante a leitura, é o leitor quem produz em si, concomitantemente, outro texto, cuja lógica é associativa. Na contramão dos pressupostos herdados pela retórica clássica e recusando a insistência em cooptar à leitura as regras de composição, que de modo geral constrangem o leitor a um sentido único – àquele mobilizado pelas pulsões do autor –, Barthes (1988) defende que o processo de leitura tem uma energia digressiva.

Não se trata de negligenciar a força do escritor na teia do texto, mas de reconhecer que á esta lógica dedutiva, onde estão implicados os elementos de determinação e limites disponibilizados por ele, entremeia-se a lógica do signo: a cada frase com a qual nos deparamos no texto, a cada grupo de significantes disponíveis para leitura, acordamos em nós outras idéias e/ou imagens que vão tecendo uma narrativa nova e singular. Por isso dizemos que é o leitor quem significa o texto enquanto lê, e por isso dizemos que ao ler sempre escrevemos, mesmo que seja em nós.

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    "ao reescrever o que dissemos, protegemo-nos, vigiamo-nos, riscamos as nossas parvoíces, as nossas suficiências (ou insuficiências), as hesitações, as ignorâncias, as complacências; [...] a palavra é perigosa porque é imediata e não volta atrás; já a scriptação tem tempo à sua frente, tem esse tempo próprio que é necessário para a língua dar sete voltas na boca; ao escrever o que dissemos perdemos (ou guardamos) tudo o que separa a histeria da paranóia" (BARTHES, 1981, p.10).

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quem é a garota da vitrine?

Minha foto
Sou formada em Radialismo e Jornalismo pela Universidade de Passo Fundo e desde 2004 atuo como professora dos cursos de Comunicação Social na mesma instituição. Ainda na UPF, fiz especialização em Leitura e Animação Cultural, e recentemente concluí o doutorado pela PUCRS. Sempre trabalhei com o universo radiofônico, pelo qual sou apaixonada. Gosto particularmente das suas aproximações com a arte. Minhas últimas descobertas de pesquisa rondam em torno da produção de sentido (em nível verbal e não-verbal) sob a perspectiva semiológica.

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pelo caminho...

pelo caminho...
lendo... só lendo e imaginando uma história da nossa suposta história...

O museu é virar a gente de ponta cabeça. Tem versão digital ao clicar na imagem.

da era do pós-humano.

de Brenda Rickman Vantrease, sobre os poderes que se interdizem desde o início dos tempos.

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o que são scriptografias e outras escrivinhações?

O título deste blog foi inspirado nas observações feitas por Roland Barthes a cerca do processo de produção e significação dos textos que circulam pela prática social. Ele fala em scriptação, escrita, escritor e escrevente. No entanto, o nome scriptografias e outras escrivinhações, não passa de uma "licença" poética, por assim dizer, com o objetivo de nominar um espaço de livre expressão, em formatos e temas que fazem parte do meu cotidiano, assim como do cotidiano de quem por aqui passar.
    hola !



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