"O que é o que é?" e as lentes da Dialética
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Como as pessoas são perguntadoras! Estamos invariavelmente fazendo perguntas, inúmeras perguntas, de todos os tipos: como vão às coisas? qual é a raiz quadrada de PI?; embora eu desconfie que a maioria das respostas quase nunca é utilizada pelo perguntador, são apenas coisas que ficam empilhadas em sua memória. Eu disse a maioria. Restam, por exemplo, as perguntas sinceras de nossos pais e amigos sobre como estamos, ou as perguntas de pesquisa. Mas, mesmo algumas desse último tipo, ainda estão sujeitas a um efeito de inatividade parecido.
Talvez por isso, às vezes, também guarde a impressão de que algumas perguntas vão cair de moda: poxa, mas quantos anos você tem mesmo?; ou são invasivas: porque você não atendeu o celular?; ou ainda, despropositadas: qual a densidade de uma toalha para secar elefantes? Mas quando eu menos espero, são elas que me assaltam. Dia desses me pediram para escrever sobre “o que é ser jornalista?”, como se eu soubesse... Já nem sei mais o que é o jornalismo, que dirá a odisséia de seus desdobramentos. Aliás, para mim, essa é do tipo démodé, até porque somos muitas coisas.
Além disso, definitivamente não simpatizo com perguntas que começam com a injunção “o que” ou “qual” ou “quantos”. Digo isso porque as percebo como reféns de um vocabulário (e, portanto, de uma cultura) positivista, e freqüentemente levam a uma noção equivocada de precisão. Diante delas temo que qualquer resposta converta-se imediatamente num muro alto e intransponível em torno do nosso trabalho, um limitador da nossa ação, função ou compromisso, na medida em que ao afirmar que somos isso, acabamos conseqüentemente negando que somos aquilo, numa simplificação confortável (e, talvez, facilmente aceita) da complexidade do nosso trabalho e da responsabilidade inequívoca da nossa intervenção sobre a realidade. Assim, a reposta, e sua reprodução irrefletida, de boca em boca, serve aqueles que insistem em nos impor restrições: de um lado para garantir certa reserva de mercado, de outro para “nos colocar em nosso devido lugar”. Que lugar é esse e quem determina que ele nos é devido, é uma outra possível discussão.
Enfim, trata-se do translingüístico refletido na linguagem, a expressão de uma idéia de real cercando o potencial de transformação de seus agentes. Como as lentes através das quais eu enxergo o mundo são Dialéticas Históricas-Estruturais (DHE), penso que perguntas assim estão completamente fora de moda. Séculos depois do reconhecimento da ciência, já sabemos que nem tudo pode ser resolvido sob a luz da quantificação ou precisão; os fenômenos sociais especialmente.
Portanto, não quero, ou não posso dar conta desta pergunta. Prefiro responder por que fazemos o trabalho que fazemos, ou como o fazemos.
Li, recentemente uma entrevista com Paulo Fehlauer, publicada no site Jornalismo Digital, onde ele utiliza expressões como “arquitetura narrativa” e “narrativa hipermídia”.
Então, gosto de pensar que somos par dos narradores, que produzimos narrativas, escolhemos dados para compartilhar, histórias para contar, por meio das quais vemos reveladas nossa subjetividade e, portanto, também por meio das quais o sujeito leitor percebe a sua, como um exercício contínuo de alteridade que tem como magma a realidade social.
Seria bom se o fizemos nas margens: das palavras, das imagens, dos sons, enfim, da ideologia expressa pelo modo como esse conjunto de signos está arranjado, na sedimentação dos sentidos que carregam, subvertendo-a através das estruturas, das linguagens e da convergência.
Mas essa não é uma resposta completa.
Mas essa não é uma resposta completa.
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