Cidade suspensa
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Passo Fundo, 22 de janeiro de 2012.
Quando resolvi escrever essa
crônica a primeira coisa que me veio à mente foi o título. Sua referência é uma
homenagem ao livro Cidade Sitiada, de Clarice Lispector, que li muito cedo na
vida, talvez cedo até de demais, e pouco me lembro do enredo. Mas sinceramente,
neste caso, o enredo não é mesmo muito importante.
A menção ao livro não serve para
reprisar uma história, mas para referendar uma sensação, a sensação que esta
história traduziu para mim ao lê-la, e que ficou gravada na memória mais do que
o próprio enredo que me levou a ela.
Falo do estado de suspensão do
tempo e do espaço que sentimos quando o dia, as horas, as coisas, resolvem
arrastar-se diante dos nossos olhos, como se deixassem um borrado na imagem de
cotidiano que produzem, justamente enquanto transitam do presente para o
passado. O resultado é uma pintura disforme e esmaecida onde o futuro, ou antes
dele, o extraordinário, parecem algo tão distante quanto impossível.
Era dia de Natal. Andávamos meu
marido e eu, pelas ruas centrais de uma cidadezinha do interior - dessas onde
ainda é possível deixar as portas das casas abertas e o portão escorado, num convite
à chegada sem aviso dos vizinhos e dos amigos. Cenário bucólico senão fosse
outro ingrediente que me despertou a atenção.
De fato saímos a passear porque acreditávamos
estar incomodados com o quase silêncio e a imobilidade que nos cercava.
Atribuímos isso, incialmente, ao contraponto com a vida quase sempre corrida
que levamos. Mas em seguida descobri que nossa inquietação podia ser por um
pouco mais do que isso.
Ao espiar pela fresta da porta da
frente de cada casa, de cada janela pela qual passamos, descobri o que realmente
me incomodava: era o som baixo e distante que entrecortava o silêncio de duas
ou três passadas; era a luminosidade azulada que molhava o rosto das pessoas
sentadas em seus sofás aconchegantes; era a presença da televisão.
Em pleno dia de Natal vi as
pessoas estatizadas diante dela. As salas estavam cheias - sim, os parentes vindos
de longe haviam comparecido ao festejo da noite anterior -, mas estranhamente
ninguém conversava, o máximo de reação que percebíamos era um sorriso ou uma
cara de espanto diante do comentário incauto feito pelo apresentador de
plantão. Nem o conteúdo do picadeiro eletrônico pautava um muxoxo entre a
parentalha, ninguém sequer piscava. Assim muitas famílias passaram a tarde, a
noite talvez. Quase ninguém nas ruas, quase ninguém falava, quase ninguém se
movia.
E cá pensei comigo: algumas
vezes precisamos da teoria para compreender o que é feito do mundo na prática, mas
em outras, mesmo sem livros nas mãos ou sem computador para consultas, podemos
reaprender velhos conceitos, como o da alienação.
Tivemos muito sobre o que conversar na volta para casa: uma viagem de mais ou menos 150 km... pois é, nem tão longe dali.
Tivemos muito sobre o que conversar na volta para casa: uma viagem de mais ou menos 150 km... pois é, nem tão longe dali.
2 comentários:
Não há mais "fósforos" pelo mundo amiga....
Parabéns pelo blog, ótimo trabalho e muito bem estruturado. Att www.Empilhashop.com.br (empilhadeiras usadas)
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